25/08/2006

O PASSAMENTO DO CORONÉ

Terencio apeia do cavalo, em frente à venda do Amâncio.
Na soleira da porta com o chapéu colado ao peito, fala com voz solene.
_Por conta do passamento de meu patrão, Coroné Leocádio Marinho.
A viúva cunvida os vizinho, pra modi velá o difunto. Sem mais, deu as costas, montou o baio, e saiu a galope, pra continuar os convites.
_ Pro Coroné Leocádio Marinho
Nós valia titica di passarinho
Agora qui ele vale bosta
Num vai sê eu di mãos posta
Que vô lhe gastá uma reza
Verseja Quincas, já meio mamado.
_ Deixe disso homi! Reza é coisa qui num si nega, Que qui custa? Diz Amâncio com voz solene.
_ Ta bão! Um pai nosso e uma Ave Maria, qui Creo in Deus Pai já me sumiu da lembrança. E num vô dispensá a merenda, que devi di sê aquela fartança.

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Quincas tinha razão quanto à merenda. Pela quantidade e variedade, parecia mais uma comemoração do que um velório. E como o defunto em questão, não era pessoa das mais queridas, a primeira hipótese com certeza era a mais viável.
_ Aquele leitãozinho a pururuca num tira os óio di mim! Diz Quincas cotovelando Nandinho nas costelas.
_ Óia os modos seu tranquera! Repreende Amâncio.
O salão da frente onde ficavam os “comes e bebes” estava lotado. Vários
pequenos grupos se formavam, em conversas murmuradas, certamente metendo o pau no defunto.
_ Sabe pru que esses safados ficam falanu baixim? Diz Amâncio torcendo o pescoço pro lado de Quincas.
_ Sei não, cumpadi! Pru que? Diz Quincas sem tirar os olhos do leitãozinho no centro da mesa com toalha de renda branca.
_ É pro Coroné num iscuitá!
_ Cê besta Amâncio, o Coroné ta mortinho, num tem mais como retaiá.
_ Sabe lá si mantem as patente do outro lado. O cabra fala mal dele, morre, e ta o safardana só no aguardo.
_ Será cumpadi? Pergunta Quincas desviando pela primeira vez os olhos do leitão em direção a sala onde o Coronel era velado.
Amâncio se diverte com a cara de preocupação do amigo.
_ Vamu lá na outra sala cumprimentá a viúva e se dispidi do Coroné! Diz Amâncio, puxando pelo braço Quincas, que vai torcendo o pescoço, pra não perder de vista o porquinho assado.

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A sala onde o Coronel era velado, não era tão concorrida quanto à da merenda. A viúva os filhos e uns poucos parentes, recebiam os cumprimentos
sem aparentar muita tristeza. O que já era de se esperar, devido à fama de truculento do Coronel. Os visitantes após o cumprimento davam uma rápida olhada no defunto e voltavam aos comes e bebes.
Depois dos cumprimentos, deram uma parada em frente ao caixão.
_ Será di que qui ele morreu? Pergunta Quincas esticando o pescoço tentando ver o porquinho na outra sala.
_ Diz que morreu nos braços da Cinira, aquela vesguinha da casa das quengas! Responde Amâncio entre dentes.
_ Morreu nas coxas, da vesguinha, ôce qué dizê! Retruca Nandinho. Por isso qui ele ta cum esse risinho nos beiço.
Quando já se preparavam pra voltar aos quitutes, Padre Olimpio pondo as mãos sobre os ombros de Quincas, começa a discorrer sobre as virtudes do Coronel.
_ O Senhor na sua infinita sabedoria, chamou esse seu servo para estar a seu lado...!
_O Senhor qui ele ta falando deve ser o capeta! Sussurra Nandinho no pé do ouvido de Amâncio.
_ Cum certeza! Sussurra Amâncio de volta.
Quincas magrelo qui nem uma vareta tenta inutilmente escapulir do abraço de Padre Olimpio. Sujeito parrudo com voz de trovão, que costumava esmurrar o púlpito durante os sermões de domingo, deixando os fiéis tudo quietinho de ôio arregalado. E pra aumentar o desespero de Quincas, cada vez que esticava o pescoço pra outra sala, via cada vez mais gente em volta da mesa e do porquinho a pururuca. Aliás, nem via mais o porquinho, tanta era a gente em volta da mesa.
_ Vamos então rezar juntos, em intenção da alma desse nosso irmão!
No que Quincas se vê solto do abraço, e tenta partir em direção ao leitãozinho.
_ Quincas, segure a Bíblia para mim, meu filho!
_ Padreco disgramado! Murmura Quincas baixinho.
_ O que você disse, meu filho?
_ Nada seu Padre, tava só me antecipando na reza!

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Mal o padre terminou as orações foi aquela debandada geral em direção aos “come e bebes”. Quincas tenta desesperadamente atravessar aquela muralha humana que cercava a mesa e encurralava o pobre leitão. Quando finalmente conseguiu se acercar da mesa. Já era tarde demais.
Ao ver Quincas naquele pranto convulsivo, ninguém entendeu nada.
_ Quem poderia imaginar que ele gostasse tanto do Coroné, comentou alguém, ainda mastigando o ultimo pedaço do “leitãosinho a pururuca”.

Ricco Paes