11/04/2014

Auto retrato


Meu pai era funcionário público
Depois aposentado, como sempre foi
Minha mãe, espanhola
Rosária depois Rosa naturalizada
Um irmão mais velho e único
Não brigávamos
Ele batia
E eu revidava e corria
Eu franzino e folgado
Desde cedo curioso
Pelo lado do meu pai
A família sempre unida nas necessidades
Fora delas, uma sólida desunião
Pelo lado da minha mãe
Estranhos que se tornaram familiares
La pelos meus dez anos
Era gozado o sotaque castelhano da minha avó
Tive vários cachorros, gatos e um rato branco
Colecionei figurinhas, fichas de ônibus
E revistinhas do Carlos Zéfiro
(Sob o forro da gaveta)
Vivi minha infância livre
De papo e futebol nas esquinas
Quando se tinha cuidado com os carros
E não com as pessoas
Meu pai morreu aposentado
Minha mãe morreu ainda Rosa
Meu irmão vai bem, obrigado
E eu ainda sou magrelo
Menos folgado
E mais curioso

Ricco Paes
2013


06/05/2013

Rua Gavião Peixoto 177

Era um portão de ferro
Que se abria para um longo corredor
Que se espremia, entre a casa da senhoria
E um canteiro de Avencas
Depois, de um lado, uma cerca de zinco
Do outro, o muro da Dona Laís
No final, minha casa
No fundo, um quintal
Campo de batalha, de ferozes guerras de mamona
E também, nosso campo de futebol
No fundo do quintal, tinha um muro
Depois do muro, uma mulatinha
De peitinhos pequenos, e bundinha macia
Depois de muitos anos morando lá
Nos mudamos...Mudamos...Mudamos...
Foram muitos os endereços
Mas não sei por que, não lembro de nenhum
Hoje não há mais o portão de ferro
Nem as avencas, a cerca de zinco
Não mais a casa e o quintal
Nem a menina depois do muro
Não tem mais nem o endereço
Rua Gavião Peixoto 177
Justamente o único que não esqueço


Ricco Paes
2013


Seu Corrêa



Seu Corrêa é que estava certo
Projeto de vida...Pra que?
A vida acaba.
Não projetava nada...Vivia.
E pra viver precisava de muito pouco.
Uma “Quina petróleo” no cabelo
Um perfume “Lancaster”, argentino legítimo.
O sapato de cromo alemão, bem escovado.
E uns poucos trocados no bolso.
E lá ia ele buscar a vida depois do portão.
Seu Corrêa nasceu pra viver...Somente viver.
Construir, guardar...Nem pensar.
Amanhã podia não acordar.
A rotina do trabalho não era pra ele
Optou por ser funcionário público
Ironicamente lotado no Ministério do Trabalho
Eventualmente aparecia pra assinar o ponto
Gostava mesmo era de fazer “bico”
Nada que tomasse muito tempo
E rendesse um trocado.
Gostava de fazer amizades
De uma conversa fiada
De uma boa piada
Torcedor do Fluminense
Tricolor de carteirinha
E assim ele vivia
Um dia a cada dia

Ricco Paes
2013

10/12/2007

Lobinho vermelho e Chapeuzinho mau

Era uma vez um lobinho vermelho, que vivia na floresta, ou melhor, num bosque, com esse desmatamento vivia mesmo era numa titica de matinho de nada. Floresta mesmo era no tempo do seu avô. O feroz Lobo mau. Que foi brutalmente assassinado por caçadores, por ter comido inteira a vovó de uma tal Chapeuzinho Vermelho. Aliás, esse “comido inteira” nunca ficou bem explicado. Mas como história infantil não se explica muito. Senão a garotada acaba desacreditando. Ficou o mistério.
Mas como íamos dizendo. Floresta antigamente era espessa, sombria e cheia de mistérios. Hoje já não há mais mistérios. E o último reduto do Lobinho já está ameaçado por uma tabuleta de um empreendimento imobiliário, que colocaram de manhã. “Em breve neste local -Condomínio Village Floresta”. Mas o Lobinho Vermelho tinha um consolo, uma mocinha bonitinha, muito boazinha. _Como era boazinha a mocinha. Que todo dia cruzava aquela titica de matinha pra ir à casa da vovó, buscar a velhinha pra pegar um sol na praia. E passava na cara do Lobinho, trajando um chapeuzinho de palha e um biquininho mínimo. Não se dando conta da maldade que fazia com o Lobinho.
Um dia tentando tomar coragem pensou alto. Afinal de contas, sou ou não sou um Lobo? Chegando enfim a conclusão de que era um lobo. Ao chapeuzinho ter acabado de passar nas condições de sempre, disparou por um atalho pra casa da sua avó._Me desculpe, você me entendeu mal, eu quis dizer a avó dela. Mas como ia dizendo, tendo pegado um atalho chegou antes a casa.
_Vovó, cadê você? Perguntou Chapeuzinho entrando pela sala.
_Estou no quarto! Respondeu o Lobinho se passando pela vovó.
Chapeuzinho entrou no quarto e meio desconfiada perguntou.
_ Pra que esses olhos tão grandes?
_ Pra tentar enxergar seu biquíni, minha netinha!
_Pra que essas mãos tão grandes?
_Pra fazer o que estou fazendo! E beliscou o bumbum de chapeuzinho.
_Pra que essa boca tão grande?
Já aporrinhando com tanta pergunta, saltou da cama e comeu a chapeuzinho. O que foi uma mancada.Ela era de menor.
Do jeito que a vida está, Lobinho faz serão até aos domingos, pra sustentar chapeuzinho e a vovó. Enquanto as duas continuam a ir a praia todos os dias.


Ricco Paes

22/09/2006

ALMEIDINHA

Acordou com o som insistente da campainha ecoando no ouvido, como se fosse um sino. Buscou instintivamente o despertador no criado-mudo. Nem o despertador nem o criado-mudo. Abriu um olho com dificuldade tentando se localizar.
_Cadê o quarto?
Se deu conta que tinha dormido no tapete da sala. A campainha insistente continuava a tocar. Se não era o despertador só podia ser o telefone. Seguindo o fio achou o aparelho debaixo do sofá.
_Alô!...
_Almeidinha, tava morrendo de saudade, resolvi antecipar minha volta. Já estou chegando em casa querido! Diz uma voz feminina no outro lado da linha.
Almeidinha!..._Minha senhora, aqui não tem nenhum Almeidinha não.
_ Como não, qual o número desse telefo...
_Eu lá tenho cara de Almeidinha! Diz entre dentes batendo o telefone irritado.
Olha em volta tentando se situar. Percebe então um par de pernas embaixo da mesa de centro. Se abaixando lentamente vai descobrindo aos poucos uma tremenda loura totalmente nua. A campainha do telefone faz o sino badalar de novo em sua cabeça.
_Alô!...
_Almeidinha, já cheguei na portaria do prédio!
Dessa vez, bateu com telefone sem nem responder.
_Mulherzinha insistente cacete! Fala consigo mesmo. Enquanto se abaixa pra continuar olhando a loura peladona, se da conta que também está como veio ao mundo. Não lembrava de nada da noitada. Mas pelo caos em que aquela sala se encontrava, deve ter sido uma loucura. E ele não lembrava de nada.

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_Acordou meu rapaz?
Aquela voz lhe era familiar. Virou-se e deu com Augusto, seu chefe, peladão, abraçando pela cintura uma mulata maior que ele, e empunhando uma garrafa de champanha Francês quase vazia.
_Oi chefe!
_Você estava certo. Depois de trinta anos de casado, sem nunca ter pisado na bola. Já era hora de botar os bichos pra fora. Lembre-me de te promover meu garoto!
Obrigado chefe! Agora lembrava de tudo. Seu chefe não ia muito com a sua cara, pra fazer uma média armou aquela orgia. Seu Augusto só se convenceu mesmo quando viu a mulata. A promessa de promoção só confirma que acertou na mosca.
_Quem era no telefone? Pergunta o coroa palmeando os peitos da mulata.
_Era uma mulher chata pra cacete, me chamando de Almeidinha dizendo que estava chegando. Devia ser engano, ela não ligou mais.
Ele não entendeu nada quando olhou pra cara do chefe. Estava branco como cera, os lábios arroxeando e com os olhos parados olhando pro nada.
_Almeidinhaaaa iu hu, cheguei! Cantou aquela voizinha do outro lado da porta acompanhada do ruído de chave rodando na fechadura.
E ele viu sua promoção e a garrafa de champanha deslizando lentamente entre os dedos do chefe e se espatifando no chão.


Ricco Paes

02/09/2006

AMIZADE VIRTUAL

A luz do computador é a única iluminação no quarto silencioso.
Já estava ali há algum tempo com os braços cruzados sobre o peito. Ao lado um cinzeiro lotado, e um copo com café frio.
O olhar colado na tela numa espera interminável, por uma resposta.
_ Cadê você?... Digita pela enésima vez.
...Nada de resposta...
Ela continua lhe sorrindo na tela do Orkut. Mas nada de resposta.
A semanas que diariamente trocam recados.
...Cadê você?...
...Nada de resposta...
No começo eram apenas os versos. Algumas vezes só uma “boa noite”. Mas desde a primeira vez, não houve um dia sem recados.
...Cadê você?...
...Nada de resposta...
Logo ele que sempre achou uma perda de tempo essa história de relacionamento virtual. Estava ali agora impaciente a espera de um racado ou um simples “olá”, pra poder dormir em paz.
...Cadê você?...Cadê você?...
Pensa em desligar o PC, mas não consegue. _ Melhor esperar mais um pouco.
...Nada de resposta...
A ansiedade começa a dar lugar a irritação. Pensa que talvez ela tenha se cansado dele. E sem coragem de dizer achou melhor calar os recados.
...Cadê você?...Cadê você?...Cadê você?...
...Nada...
A irritação começa a dar lugar a preocupação. _E se aconteceu alguma coisa com ela? Sente um misto de angústia e impotência, sozinho na penumbra do quarto.

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Acorda com o sol entrando pela janela e com uma dor incômoda no pescoço pela noite mal dormida. Mas não consegue evitar o sorriso, ao olhar na tela do PC.
...Estou aqui!...Meu computador “deu pau”, e foi um custo dormir sem falar com você. A noite nos falamos...
_O dia vai ser longo! Fala consigo mesmo, feliz e aliviado.


Ricco Paes

26/08/2006

CARMILITA

Das noites de lua, Amâncio escolhe uma delas
E arma uma fogueira no terreiro
Bem em frente a sua venda
Pra modi juntá a caboclada
Tuma umas pinga boa
Deita conversa à toa
Conta causos verdadeiros
Mas cum jeito de inventados
Mas tudo afiançado
Cum beijos nos dedos em cruz
E eles vão se chegando
Aos poucos se acomodando
O cumprimento é um pé pra prosa
Uns vão tumando pinga
Outros vão fumando uma paia
E assim o tempo vai passando
Gaudêncio, violeiro dos bão
Chego, puxando uma moda
Entre uma cantoria e outra
Os causos vão se sucedendo
E cada um côa sua especialidade
Pros causos de assombração
Ninguém mio qui Zé Pedro
Zéca Miúdo, que tem uns braços cumpridos
Ë bão nas histórias de pescaria
Mas pros causos inusitados
Daqueles apimentados
Com Tonho di Ciça, ninguém podia
Sentado num tamburete
Cuns braços cruzados nus peito
Tonho di Ciça foi tumando jeito
Di qui já, já cumeçava
_ Meus amigos... !
E uma pausa que sempre fazia
Pra modi te garantia
Que tudo mundo escuitava
... O causo qui vou lhes contá
foi lá pras banda da Bahia
de verdade acunticido
pela luz qui mi alumia
um sujeito chamado Cilinho
cabra bem apessoado
caiu di amo por Das Dô
mulata das mais vistosa
tudo nela era perfeito
Principalmente os peito
Qui cuns decote qui ela usava
Era o qui Cilinho mais gostava
O casório foi uma belezura
Uma festança nu arraia
Cumida di fartura
Cachaça, rapadura
E dança inté cansa
Pouco dispois di casados
Já istavão separados
Acertado o valor da pensão
Das Dô foi pra istação
E partiu nu primeiro trem
Pra nunca mais vortá
Dois dias dispois na venda
Cilinho sortero di novo
Arresorveu cunta pro povo
Us mutivo di si separá
Logo dispois da lua di mé
Ela qui era tão fiminina
Si virô numa filina
Côa unha a mi mostrá
Recramava sempre di tudo
Do banho qui só tumei ontonti
Da bosta nas minhas botas
E ainda nas minhas costas
Deu di cum a Carmilita impricá
Um dia cuns sistema nervoso
Nos cascus di mau humô
Me aponta o dedo nas ventas
-Eu ô ela? Berrô Das Dô
Fiquei oiando Carmilita
Tão Carminha nu jardim
Cumenu umas frô nu cantero
Um ôio nas pranta, outro ni mim
Respondi sem pestaneja
-É cum Carmilita qui vô ficá
-O dispois, ôces sabe o ocorrido
Deu uma talagada na “marvada”
E cum ar satisfeito arrematô
-Ta certo qui Das Dô tinha uns peitão
mas só sirvia pra da bêjo
Os da Carmilita, da balde de leite
E cum coalho inda faço quêjo
Num recrama du meu chêro
E no cuchilo di todo dia
Vem cum geitinho brejero
Modi faze cumpania
E dando a prosa por encerrada
Pagô as pinga tumada
Pisco pra caboclada
I foi encontra Carmilita
Tonho di Ciça já ia dando
O causo por encerrado
Quando Quinca si rindo pergunta
-E esses dois acaba casado?
Tonho fez um ar sério
Maneia a cabeça cum pesar
Dando di novo uma pausa
Pro final valorizar
-O fim foi uma tragédia
ôces nem podi imaginá
Cilinho pego Carmilita
Cum bode a prevarica
Discarregô a garrucha
Matando os dois na capoeira
O bode cumeu assado
Pra ela interro di primêra
Disiludido co sucedido
Garro na pinga mardita
Mas tumo uma decisão
Quando ninguém mais acredita
-Foi busca Das Dô! arriscou Quincas
-Foi nada! Encerrou Tonho di Ciça
_ Compro foi é outra cabrita



Ricco Paes

NAMORO LONGO

Namoro muito longo às vezes se torna um problema insolúvel. Quanto mais o tempo passa, mais insolúvel ele fica. Ai o desinteresse, a falta de entusiasmo começam a ficar cada vez mais evidentes. E arrumar assunto, se torna uma tarefa complicada.
_ Oi bem!
_ Oi!
_ Tudo bem, bem!
_ Tudo!
Quando poucas silabas começam a predominar na conversa, é o momento de tomar a decisão. Mas por esse ou aquele motivo, vai dar mais um tempo. E decisão adiada é como dívida com agiota. Problema insolúvel.
Invariavelmente, vai pintar uma outra, no meio da história. E as comparações, impossíveis de não se fazer. Os cabelos da outra são mais macios, a boca da outra é mais úmida, a cintura da outra é mais fina. A bundinha... É melhor nem comparar. Ele tenta evitar o pensamento, mas não tem jeito.
_ Pô! A Cléa ta um canhão!
Namoro longo é um problema maior ainda pra ela. Com a suposta segurança do namoro longo, ela se descuida dos cabelos, da pele, do peso.
E é ai que a coisa pesa quando pinta a outra, e as inevitáveis comparações.
E ainda tem o futuro sogro.
_ E aí, Seu Carlos Augusto? Pai de namorada quando te chama pelos dois nomes, já sabe o que vem a seguir.
_ Esse casório, sai ou não sai?
Naquela fração de segundos que antecede a resposta, o que será que pensam os namorados de namoros longos.


Ricco Paes

GALO CAPÃO

Amâncio servia uma dose da branquinha pra Quincas, quando entra Coronel Tertuliano acompanhado de um rapaz alto, bem apessoado. Pelos modos, com certeza era moço da capital.
_ Boas tardes minha gente! Diz o Coronel se recostando no balcão.
_ Tarde Coroné! Respondem Amâncio e Quincas em uníssono.
_ Boa tarde senhores! Diz o moço com voz suave.
_ Tarde seu moço!
_ Cês num tão reconhecenu ele não? É o Nicodemos, meu filho que foi estudar na capital.
_ Ora vejam só ! Diz Amâncio com um sorriso. Aquele moleque magrinho, que vivia comprando bala de goma comigo. Mas ficou um rapagão.
_ Potro de raça cumpadre, garanhão! Diz o coronel orgulhoso.
_ Bem vindo Nicodemos!
_ Pode me chamar de Nick, seu Amâncio!
Quincas entre uma talagada e outra, observava com o rabo do olho o jeitão do moço.
E ficaram um tempo de conversa fiada. Depois de exagerar nos elogios e na pinga. O coronel e o filho vão embora.
Amâncio serve mais um trago pra Quincas, continuando a prosa.
_ E ai Cumpadre, que qui ocê achou do moço?
Quincas cum sorrisinho safado no canto dos beiços, comenta.
_ Potro de raça...Garanhão...Sei não!!
De cavalo num intendo nada, mas intendo de outra criação
Esse tar di Nicodemos, no meu terrero seria galo
Mas cum certeza Capão...E dos Bão!



Ricco Paes


_

GARÇA

GARÇA


Quando Lisbete apareceu com o Rubio em casa, a primeira impressão.
da família, não foi das melhores.
_ Parece uma garça! Pensou o pai da moça.
_ Parece uma garça! Pensou a mãe também.
Filha única, Lisbete teve uma criação esmerada, estudara nos melhores
Colégios. Cursos de inglês, piano e tudo mais que fosse necessário para que seu
futuro fosse perfeito.
_ Como será um futuro perfeito, ao lado de uma garça? Murmura o pai, no
ouvido da mulher.
_ O que você disse?
_ Nada, tava pensando alto!
No final da noite, depois de uma longa despedida do casal de pombinhos,
e de varias passadas do pai pela sala de pijama, o garça bateu asas.
Os pais resolveram juntos, não criar caso com o namoro. Sabe como é,
se for contra, aí é que eles fazem. Melhor deixar passar o tempo, logo, logo enjoa.
_ Bom dia pai, bom dia mãe! Diz Lisbete sentando a mesa, pro café da manhã.
_ O que acharam do Rubio, não é uma gracinha?
O pai até pensou em dizer que o achou parecido com a tal ave. Mas optou
por morder um biscoito com geléia.
_ Parece ser bonzinho! Disse a mãe sem muito entusiasmo.
_ O que ele faz na vida? Pergunta o pai, se servindo de outro biscoito.
_ Faz Direito, no interior!
_ Ué, o que ele ta fazendo aqui no meio da semana?
_ Sei lá!
_ Hummm! Murmura o pai.
_ O que foi, pai?
­_ A geléia ta uma delícia! Diz o pai, mudando o assunto.
As visitas do Rubio foram ficando cada vez mais freqüentes, agora toda
noite tava o cara no sofá, de beijinhos com Lisbete. O pai já tinha decido acabar com a farra, com a concordância da mulher. E foram os dois pra sala, a fim de dar
um basta no namoro dos dois.
_ Pai, mãe, que bom que vocês chegaram. O Rubio quer falar com vocês!
_ Eu também quero falar com vocês!
_ Pode falar, sogrão!
_Eu lá sou sogro de uma ave, seu bosta! Pensou o pai com seus botões.
_ Fala você primeiro o Rubio.
_ O Rubio quer convidar vocês pra conhecer a fazenda da família em Goiás.
Os dois se sentaram ao mesmo tempo, rezando mentalmente pra que o belo rapaz, não tivesse percebido a irritação deles.
_ Fazenda da família? Diz o pai, com voz suave.
_ Em Goiás? Diz a mãe, tentando disfarçar um sorriso.
_ A família tem umas terras, por lá. Diz Rubio, percebendo o interesse dos
futuros sogros.
Daquele momento em diante, o cara foi tratado como um príncipe. Observando melhor, até tinha um certo porte. Aquela cor pálida, o nariz, o pescoço. Tinha alguma coisa de Lorde Inglês. E não havia uma noite, que não tivesse um lanchinho com biscoitos. Até a geléia do pai entrou na dança, sem que houvesse reclamações. Nas despedidas do casal, nada de atravessar a sala de pijama.
Da volta de Goiás até o noivado foi um pulo. Do noivado ao casamento outro pulo. A decoração da Igreja, um primor. O buffet de primeira. A lua de mel
em Campos de Jordão, um sonho.
_ Vamos ter que rebolar pra pagar tudo isso! Diz o pai, entre dentes, pra mulher.
_ Mas vai valer a pena! Responde a mãe, também entre dentes.

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A fazenda era do irmão do Rubio, que também era dono de uma pequena indústria que acabou falindo. A fazenda dançou. O sonho dos pais de Lisbete dançou junto.
O apartamento ficou pequeno, com a chegada dos netos. Nunca mais a soneca da tarde, o telejornal, a geléia, ah! A geléia!
E já faz bastante tempo que não o chamam mais pelo nome.
_ Ô Garça, o almoço ta na mesa.



Ricco Paes

VITELA SÓ ENSOPADA

Nandinho só teve tempo de empurrar Florinda, descolar as costas do barranco e se embrenhar no matagal puxando as
calças pra riba. Corria qui nem curisco nas noites de temporal,
ouvindo cada vez mais longe os berros do Coronë Juvêncio e do
Colt cavalinho.
- Vorta aqui seu “fio duma égua!” Pou, Pou, Pou...
_Ah! Mô Deusinho mi acódi, mesmo qui eu num mereça, a curpa é da Florinda, que me faz perder a cabeça.

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Coroné Juvêncio entro na venda di Amâncio, batendo forte os carcanhar, tinindo as esporas de ouro polidas. No
balcão, deitô cum força a chibata trançada no couro. Puxo de
lado o paletó, deixando a mostra o cabo de madrepérola do
trabuco, pidiu uma talagada e foi logo assuntando.
- Cês sabem do paradero, daquele cabra rampero
di nome Nandinho cartero ?
Todo mundo se entreolhando, côa pinga descendo engasgando
Côas caras de besta cismando, o que possa ter acunticido.
Que havera feito Nandinho, pro coroné ta tão imputicido.

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Zé Bento e Quincas, como faziam toda à tardinha, foram
pescar no grotão, pra modi matar o tempo e uns tambaús.
Dirrepente di traz dum arbusto, saindo com cara di susto
Justo Nandinho cartero.
- Cês tão suzinhos? Perguntou meio cabrero.
-Tamo só nois, nem os peixe aparecero!
-Ah! Inda bem!
_Nandinho diz uma cousa, que qui tu ando aprontando pro Coroné ta nus cascos, por ai te percurando?
-É tudo curpa da Florinda, aquela oferecida, cum aquele olharzinho sonso, cagô cum a minha vida.
-E agora Nandinho? Perguntou Quincas cum rizinho safado.
-Sei não cumpadi, só sei qui daqui pra diante, cumê vitela...
... só ensopadinha cum legumes !!


Ricco Paes

A MESA PERFEITA

O bar era meio fuleiro, mas até que aconchegante.
Aquela mesa no canto era perfeita.
Ele queria que aquele encontro fosse como aquela mesa, perfeita.
A garota merecia, era uma gata.
Que olhos, que seios, que ancas.
Era perfeita como aquela mesa
Uma mulher dessa, merecia um lugar de primeira categoria.
Mas a grana curta, o fez convencê-la de um programa diferente
E aquele bar fajuto, no fundo era “cult”
O papo foi perfeito, como aquela mesa
Ela sentou-se, cruzando as pernas elegantemente.
Ele acomodou-se a seu lado, olhando aquelas pernas.
Já imaginando como terminaria aquela noite
Seria como aquela mesa, perfeita
De repente, vinda não sei de onde, pousa no centro da mesa perfeita
Uma barata
Não uma simples barata
Mas uma baita barata
O mulherão agarrado em seu braço, estava petrificada
Ele irritado, chamou o dono do bar
_Que qui ta havenu? Perguntou o cara com a barba por fazer
Ele com ar indignado, aponta o bicho no centro da mesa
O cara tira do pé a sandália Havaiana, mais que sambada
E da uma porrada só, certeira
Depois, puxa uma toalha ensebada que trazia no ombro
Limpa a mesa, sacode a toalha, e torna a colocar no ombro
_Prontinho, vão fazer o pedido agora, ou vão bebericar alguma coisa antes!

Da morena, só ficou a mancha na camisa de seda.



Ricco Paes

SEU TIBÉRIO

- Como vai a vida, Seu Tibério?
Sentado em um banquinho sob o alpendre da varanda, na frente da casa
Velho Tibério pitava um cachimbo de raiz de roseira.
- Ancim, ancim Seu Dotô!
Cumenu um naquim
Bebenu um tantim
E vamu vivenu!
Deu duas pitadas, avivando o vermelho da brasa do cachimbo.
- Senta ai Dotô, custa nadinha a prosa!
O médico agradeceu se sentando no murinho da varanda.
Desde que chegara a cidadezinha, já examinara toda a pequena
população, menos o velho Tibério.
- Como vai a saúde, meu amigo?
- Ói dotô, meu pai sempre me dizia
O homi sardavel
Dromi cum constança
Come cum fartança
E obra cum sustança
- Eu drumo feito um anjo
Como feito um rei
E obro feito...
- Ta certo seu Tibério, ta certo! Interrompe o Doutor
Tentando mudar o rumo da prosa
Afinal de contas, não viera consultá-lo, já havia desistido da idéia
Sempre que sobrava um tempo, parava pra uma prosa
- Parece que o Dotô gostou do nosso lugarejo!
- É seu Tibério, isso aqui é um paraíso!
- Já foi mió, já foi mió!
Deu mais umas baforadas, pra manter viva a brasa do pito
E continuou...
- Ói Dotô, quando eu era minino, tudo isso que o sinhô vê a sua vorta
era mato. Uma casinha aqui outra acolá. Uma estradinha que vinha
num sei di onde, e ia pra lugá ninhum.
Inté hoje mi alembro, das noites di céu tudo pintadinho de estrelas,
paricia qui se esticassi os braços bem arto, pudia inté pegá nelas.
E a luz da lamparina, trimilicando dentro da casa, isticando as sombra
nas paredes. I nós tudo em vorta da mesa, ouvinu as história di meu pai.
Na maioria das vez, era causo de assombração. I nós ficava tudo ali, paradinho
qui nem estauta, com a boca aberta e os óios arregalados.
Mas ninguém arredava o pé da sala. As vez nem pela história, mais pelo medo
di ficá suzinho. E na hora de drumi, era tudo juntinho, qui é pra modi num
cabê assombração nu meio.
Di manhã, bem cedinho, galo Honório avisava meu pai, qui era hora di ir pra
roça mais meus irmãos mais velhos. Sobrava eu e um mais miudinho. E nóis
ia cata passarinho, tudo pegado no visgo, tuma banho pelado no rio, cata fruta
no pé. Aquilo sim era paraíso, seu Doto!
Seu Tibério com um suspiro melancólico bate o cachimbo na viga de madeira,
pra tirar o resto do fumo. Depois torna a enchê-lo novamente. Acende, da mais
umas baforadas, e a varanda é tomada pelo cheiro do fumo.
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Ainda com o gostinho do café com bolo de milho na boca, o médico caminha
pensativo pela estradinha de terra, relembra sua infância confortável de garoto
de cidade, tinha brinquedos, videogames, passeios no shoping, cinema, enfim
tinha tudo. Mas agora, depois da conversa com o velho Tibério, ficou com uma
sensação de que teve muito pouco.
Resolveu tomar um banho de rio, e se criar coragem vai ser pelado. Mordeu a
goiaba madura que tinha acabado de catar no pé, e sorrindo pensou alto.
- Onde será que eu arrumo esse tal de visgo!


Ricco Paes

Misty

Sabe aqueles dias em que a gente acorda e passa o dia inteiro com uma música na cabeça. Pois hoje, eu acordei com aquela voz de veludo do Jhonny Mathis no meu ouvido, cantando Misty. Lembram do Jhonny Mathis? E de Misty, lembram? No meio da canção, a voz do cara, emendava com os violinos, de um jeito, que a gente ficava sem saber quando acabavam os violinos, e quando começava a voz. Coisa maravilhosa, celestial.
Pobre dessa geração atual. Nada de Jhonny Mathis, Nat King Cole, Sinatra.
Lembro-me de um hi-fi, regado a guaraná e pipoca, com Misty fazendo fundo pro meu sussurro, pedindo pra namorar uma loirinha linda, prima de não lembro quem, que eu tinha pedido pra convidar pro bailinho.
Como será que rola hoje? A gata, ou será mina, ou não será nenhuma das duas. Não importa. A guria dançando, se é que se pode chamar esses movimentos desconexos de dança, e pula e sacode a cabeça, enquanto o guri tenta gritar mais alto que o vocalista do Linkin Park.
_ E AÍ... TÁ A FIM?


Ricco Paes

PESCA COM PEDRINHAS

Juca e Zé Bento, já estavam pescando pra mais de um par horas.
_ Hoje ta bão, ta não Zé? Assunta Juca enquanto espeta outra minhoca no anzol.
_ Ta bão dimais!
_ Oi, fisguei ôtro! Diz Juca que mal acabara de mergulhar a minhoca.
Mais acima do barranco, Honorato, o cabra mais preguiçoso da vila, também pescava. Recostado num tronco de jaqueira, com os pés pendurados no barranco e o chapéu arriado sobre a testa. Vez em quando atirava alguma coisa na água.
Juca olhando de longe, não entendia nada.
_ O Zé!
_ Fala!
_ Já pegou quantu?
_ Pra mais de dúzia... I tu?
_ Eu tumên!...Cume qui podi?
_ Ué, podi pruque tá bão ora!
_ Ta bão só pra nóis?
_ Só pra nóis pruque?
_ To oiando o Norato, pra mais di hora, e num vi ele pega nada. Só fica jugando uns treco na água.
_ Jugando u que?
_ Sei lá, num da pra vê!
_ Vamu lá?
_ Vamu!
Juntaro as traia toda, guardaro os peixes, pusero os caniço no ombro. E foram ao encontro de Norato. Chegaram no justo momento em que ele atirava outro treco na água. Depois voltou a mesma posição em que já estava há horas. Recostado na jaqueira, com a aba do chapéu arriada sobre a testa, um fiapo de paia no canto dos beiços, e um montinho de pedrinhas redondas ao alcance da mão.
_ Tarde Norato! Cumprimenta Juca.
_ Tarde! Responde Norato sem se mover.
_ Tudo bão?
_ Tudo!
_ E a pescaria?
_ Ta boa!
_ Ué, ta boa comu?
_ Tando!
Juca olha Zé Bento que da de ombros.
_ Norato, exprica uma cousa. Eu e Zé Bento chegamo dispois di ocê, pescamo peixe de da cum pau. Tamo inté cansado di tanto que iscamo e fisgamo. Num vi ocê tira essa titica di anzór da água nem uma vez siqué. Só vi ocê joganu essas pedrinha nu rio. Intão cume qui a pesca podi ta boa?
Honorato empurrou a aba do chapéu pra riba da testa, olhou Juca com ar contrariado.
_ Eu exprico cumpadi. Eu tava meio cansado, na pricisança di relaxa. Tem coisa mio pra isso qui pescá?
_ Tem não! Respondeu Juca impaciente.
_ Pois intão. Peguei meus trem di pescaria i vim.
_ E as pedrinhas? Insistiu Juca.
_ A questã é a seguinte. Deu um trabalhão botá a linha na vara, dispois o anzór na linha, dispois a minhoca no anzór. Sem conta o trabaião qui deu cata as minhoca. Se não juga as pedrinhas pra modi espanta os peixe, os mardito vem e come as minhas isca tudinhas.
_ Ué, i num é pra ce? Diz Juca bestando.
_ Craro qui não! Fala Honorato com ar indignado.
_ i a cansera qui vai da tira o bruto do anzor, iscá tudo di novo, já pensô!
Juca e Zé Bento ficaram se olhando.
_ Afinar, vim pesca pra modi di discansa e não mi cansa pra modi pesca!
Falando isso, arriou a aba do chapéu sobre os óio, tornou a colocar o fiapo di paia no canto da boca, e tatendo o chão até catar mais uma pedrinha, atirou na água espantando um bitelão que rondava seu anzol.
_ Sai pra lá, fio duma égua!

Ricco Paes

25/08/2006

O PASSAMENTO DO CORONÉ

Terencio apeia do cavalo, em frente à venda do Amâncio.
Na soleira da porta com o chapéu colado ao peito, fala com voz solene.
_Por conta do passamento de meu patrão, Coroné Leocádio Marinho.
A viúva cunvida os vizinho, pra modi velá o difunto. Sem mais, deu as costas, montou o baio, e saiu a galope, pra continuar os convites.
_ Pro Coroné Leocádio Marinho
Nós valia titica di passarinho
Agora qui ele vale bosta
Num vai sê eu di mãos posta
Que vô lhe gastá uma reza
Verseja Quincas, já meio mamado.
_ Deixe disso homi! Reza é coisa qui num si nega, Que qui custa? Diz Amâncio com voz solene.
_ Ta bão! Um pai nosso e uma Ave Maria, qui Creo in Deus Pai já me sumiu da lembrança. E num vô dispensá a merenda, que devi di sê aquela fartança.

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Quincas tinha razão quanto à merenda. Pela quantidade e variedade, parecia mais uma comemoração do que um velório. E como o defunto em questão, não era pessoa das mais queridas, a primeira hipótese com certeza era a mais viável.
_ Aquele leitãozinho a pururuca num tira os óio di mim! Diz Quincas cotovelando Nandinho nas costelas.
_ Óia os modos seu tranquera! Repreende Amâncio.
O salão da frente onde ficavam os “comes e bebes” estava lotado. Vários
pequenos grupos se formavam, em conversas murmuradas, certamente metendo o pau no defunto.
_ Sabe pru que esses safados ficam falanu baixim? Diz Amâncio torcendo o pescoço pro lado de Quincas.
_ Sei não, cumpadi! Pru que? Diz Quincas sem tirar os olhos do leitãozinho no centro da mesa com toalha de renda branca.
_ É pro Coroné num iscuitá!
_ Cê besta Amâncio, o Coroné ta mortinho, num tem mais como retaiá.
_ Sabe lá si mantem as patente do outro lado. O cabra fala mal dele, morre, e ta o safardana só no aguardo.
_ Será cumpadi? Pergunta Quincas desviando pela primeira vez os olhos do leitão em direção a sala onde o Coronel era velado.
Amâncio se diverte com a cara de preocupação do amigo.
_ Vamu lá na outra sala cumprimentá a viúva e se dispidi do Coroné! Diz Amâncio, puxando pelo braço Quincas, que vai torcendo o pescoço, pra não perder de vista o porquinho assado.

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A sala onde o Coronel era velado, não era tão concorrida quanto à da merenda. A viúva os filhos e uns poucos parentes, recebiam os cumprimentos
sem aparentar muita tristeza. O que já era de se esperar, devido à fama de truculento do Coronel. Os visitantes após o cumprimento davam uma rápida olhada no defunto e voltavam aos comes e bebes.
Depois dos cumprimentos, deram uma parada em frente ao caixão.
_ Será di que qui ele morreu? Pergunta Quincas esticando o pescoço tentando ver o porquinho na outra sala.
_ Diz que morreu nos braços da Cinira, aquela vesguinha da casa das quengas! Responde Amâncio entre dentes.
_ Morreu nas coxas, da vesguinha, ôce qué dizê! Retruca Nandinho. Por isso qui ele ta cum esse risinho nos beiço.
Quando já se preparavam pra voltar aos quitutes, Padre Olimpio pondo as mãos sobre os ombros de Quincas, começa a discorrer sobre as virtudes do Coronel.
_ O Senhor na sua infinita sabedoria, chamou esse seu servo para estar a seu lado...!
_O Senhor qui ele ta falando deve ser o capeta! Sussurra Nandinho no pé do ouvido de Amâncio.
_ Cum certeza! Sussurra Amâncio de volta.
Quincas magrelo qui nem uma vareta tenta inutilmente escapulir do abraço de Padre Olimpio. Sujeito parrudo com voz de trovão, que costumava esmurrar o púlpito durante os sermões de domingo, deixando os fiéis tudo quietinho de ôio arregalado. E pra aumentar o desespero de Quincas, cada vez que esticava o pescoço pra outra sala, via cada vez mais gente em volta da mesa e do porquinho a pururuca. Aliás, nem via mais o porquinho, tanta era a gente em volta da mesa.
_ Vamos então rezar juntos, em intenção da alma desse nosso irmão!
No que Quincas se vê solto do abraço, e tenta partir em direção ao leitãozinho.
_ Quincas, segure a Bíblia para mim, meu filho!
_ Padreco disgramado! Murmura Quincas baixinho.
_ O que você disse, meu filho?
_ Nada seu Padre, tava só me antecipando na reza!

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Mal o padre terminou as orações foi aquela debandada geral em direção aos “come e bebes”. Quincas tenta desesperadamente atravessar aquela muralha humana que cercava a mesa e encurralava o pobre leitão. Quando finalmente conseguiu se acercar da mesa. Já era tarde demais.
Ao ver Quincas naquele pranto convulsivo, ninguém entendeu nada.
_ Quem poderia imaginar que ele gostasse tanto do Coroné, comentou alguém, ainda mastigando o ultimo pedaço do “leitãosinho a pururuca”.

Ricco Paes

ILHÉUS 2001

O ônibus desliza pela estrada do sul
Varando a tarde de sábado, rumo a Olivença.
Pela janela, uma brisa fresca me alivia o sol no rosto.
Meus olhos se perdem na paisagem, de um mar ora longe, ora perto.
O ônibus para e uma morena entra sentando-se no banco ao lado
Linda garota penso com meus botões.
Cabelos lisos escuros escorrem sobre os ombros
Na boca suave um brilho de luz
Me percebe olhando e sorri, um sorriso de lua
E os olhos também sorriem, tem algo de jovial, juvenil.
A blusinha fina tocada pelo vento me mostra seus seios, contornos.
E eu os imagino mornos, merengues, macios em minhas mãos.
A mini saia deixa a mostra as pernas morenas, esguias.
Meus olhos deslizam lentamente pelos joelhos, redondos
Até os pés, perfeitos, a mostra na sandália.
Torno a subir o olhar
Percebo suas mãos pequenas, dedos roliços, unhas perfeitas.
Por um momento imagino o toque
Busco novamente seu rosto, e ela me adivinhando o olhar
Vira-se mansamente e torna a sorrir
O ônibus vai chegando ao ponto final
Deixo que ela salte antes de mim, e caminhe graciosa a minha frente
Se afastando das poucas pessoas que haviam
Sentou-se em um banco sob os coqueiros, em frente aquele mar azul.
E eu ansiando o encontro, ensaiei mentalmente cada frase
Cada palavra, cada ponto, não queria me arriscar impertinente
Quem sabe não estaria ali a minha frente
Não o amor da minha vida, mas talvez a namorada
Já antevia os passeios de mãos dadas
Os sorvetes, as flores, os risos
E solidão nunca mais
Tomei coragem e me aproximei
_ Posso sentar com você?
E ela com a voz mansa e um sorriso meigo...
_ Só transo de camisinha, não beijo na boca e cobro cinqüenta real!

E lá se foi à poesia pro escambau !!!!!

Ricco Paes