26/08/2006

SEU TIBÉRIO

- Como vai a vida, Seu Tibério?
Sentado em um banquinho sob o alpendre da varanda, na frente da casa
Velho Tibério pitava um cachimbo de raiz de roseira.
- Ancim, ancim Seu Dotô!
Cumenu um naquim
Bebenu um tantim
E vamu vivenu!
Deu duas pitadas, avivando o vermelho da brasa do cachimbo.
- Senta ai Dotô, custa nadinha a prosa!
O médico agradeceu se sentando no murinho da varanda.
Desde que chegara a cidadezinha, já examinara toda a pequena
população, menos o velho Tibério.
- Como vai a saúde, meu amigo?
- Ói dotô, meu pai sempre me dizia
O homi sardavel
Dromi cum constança
Come cum fartança
E obra cum sustança
- Eu drumo feito um anjo
Como feito um rei
E obro feito...
- Ta certo seu Tibério, ta certo! Interrompe o Doutor
Tentando mudar o rumo da prosa
Afinal de contas, não viera consultá-lo, já havia desistido da idéia
Sempre que sobrava um tempo, parava pra uma prosa
- Parece que o Dotô gostou do nosso lugarejo!
- É seu Tibério, isso aqui é um paraíso!
- Já foi mió, já foi mió!
Deu mais umas baforadas, pra manter viva a brasa do pito
E continuou...
- Ói Dotô, quando eu era minino, tudo isso que o sinhô vê a sua vorta
era mato. Uma casinha aqui outra acolá. Uma estradinha que vinha
num sei di onde, e ia pra lugá ninhum.
Inté hoje mi alembro, das noites di céu tudo pintadinho de estrelas,
paricia qui se esticassi os braços bem arto, pudia inté pegá nelas.
E a luz da lamparina, trimilicando dentro da casa, isticando as sombra
nas paredes. I nós tudo em vorta da mesa, ouvinu as história di meu pai.
Na maioria das vez, era causo de assombração. I nós ficava tudo ali, paradinho
qui nem estauta, com a boca aberta e os óios arregalados.
Mas ninguém arredava o pé da sala. As vez nem pela história, mais pelo medo
di ficá suzinho. E na hora de drumi, era tudo juntinho, qui é pra modi num
cabê assombração nu meio.
Di manhã, bem cedinho, galo Honório avisava meu pai, qui era hora di ir pra
roça mais meus irmãos mais velhos. Sobrava eu e um mais miudinho. E nóis
ia cata passarinho, tudo pegado no visgo, tuma banho pelado no rio, cata fruta
no pé. Aquilo sim era paraíso, seu Doto!
Seu Tibério com um suspiro melancólico bate o cachimbo na viga de madeira,
pra tirar o resto do fumo. Depois torna a enchê-lo novamente. Acende, da mais
umas baforadas, e a varanda é tomada pelo cheiro do fumo.
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Ainda com o gostinho do café com bolo de milho na boca, o médico caminha
pensativo pela estradinha de terra, relembra sua infância confortável de garoto
de cidade, tinha brinquedos, videogames, passeios no shoping, cinema, enfim
tinha tudo. Mas agora, depois da conversa com o velho Tibério, ficou com uma
sensação de que teve muito pouco.
Resolveu tomar um banho de rio, e se criar coragem vai ser pelado. Mordeu a
goiaba madura que tinha acabado de catar no pé, e sorrindo pensou alto.
- Onde será que eu arrumo esse tal de visgo!


Ricco Paes